05 julho 2019

Mesmo “Longe de Casa”, o Homem-Aranha só dá alegria



Depois da tristeza de perder tantos de seus companheiros Vingadores em Ultimato, tudo que Peter Parker quer é acompanhar os amigos à Europa na viagem de férias do colégio e, se possível, sentar-se ao lado de MJ (Zendaya) no avião. E, então, quer declarar-se para ela em alguma locação romântica – de preferência em Paris, no alto da Torre Eiffel.
Ambições singelas, portanto. Mas não só seus superpoderes em nada ajudam a realizá-las, como atrapalham: como se sabe, junto com eles vêm enormes responsabilidades etc. e tal, e ninguém quer saber de deixar Peter esquecê-las. Ele larga seu uniforme no armário, Tia May (Marisa Tomei, de novo uma graça) o coloca na mala. Ele não atende os telefonemas de Nick Fury (Samuel L. Jackson), Nick Fury primeiro manda Happy (Jon Favreau) botá-lo na linha, depois vai pessoalmente até ele. Ele planeja passeios de gôndola em Veneza, e um monstro de água se levanta dos canais e põe abaixo metade da cidade – e, enquanto isso, o bonitão Brad (Remy Hii) vai grudando mais e mais em MJ, e Peter vai ficando mais e mais de lado.
Não à toa, quando um novo super-herói aparece no pedaço, Peter começa a pensar seriamente na hipótese de transferir para ele sua missão (preparar-se para ocupar, entre os Vingadores, o lugar de seu mentor, o Homem de Ferro): Quentin Beck (Jake Gyllenhaal), que Peter e seus amigos apelidam de Mysterio, é um cara legal e compreensivo, e é uma mão na roda para derrotar os monstros elementais que andam brotando pelas cidades europeias. E é um adulto, pensa Peter; portanto, muito mais qualificado do que ele para seja lá o que for. Peter, porém, verá que há forças colossais se movimentando aqui – um vórtice de mimimi, fake news e memes prestes a devorar o mundo. Que ideia sensacional: em essência, o grande vilão de Longe de Casa é o espírito do tempo.
Com Jon Watts de novo na direção e Chris McKenna e Erik Sommers novamente assinando o roteiro, Longe de Casa confirma que, nesta sua encarnação com o fabuloso Tom Holland, o Homem-Aranha é a maior fonte de alegria da Marvel, e por uma razão meio contraditória: é o mais assustado, atrapalhado e dividido dos super-heróis, o que mais se diverte com seus poderes e o que mais desejaria poder esquecer deles, pelo menos de vez em quando. Outras razões para o prazer que é assistir a um filme do Homem-Aranha: os personagens são eximiamente bem escritos e os diálogos são uma delícia, assim como o elenco (destaque para Zendaya, que é uma perfeição como MJ, e para Angourie Rice, que brilha como a certinha Betty Brant). As cenas de ação, mesmo as mais mirabolantes e cheias de destruição, são as que melhor preservam o conceito de um gibi. E o principal: muito mais do que um filme de super-herói, Longe de Casaé concebido para rolar como uma aventura adolescente na linha dos soberbos filmes teen que John Hughes fez nos anos 80 (Curtindo a Vida AdoidadoGatinhas e GatõesA Garota de Rosa Shocking etc.). É efervescente e cativante, é cheio de júbilo e de ânimo, entende os seus personagens e, por mais que ache graça neles, trata-os com respeito (aqui não há há nada dessa canseira de populares versus losers e outras muletas do cinema adolescente atual). Acima de tudo, diretor, roteiristas e atores lembram em cores vívidas a emoção e a angústia que é ter 16 anos. Durante duas horas, estive lá de novo – e melhor viagem do que essa não há.

*Veja